domingo, 21 de outubro de 2012

Perene




Em noites de cansaço acerquei-me freme insone
destoados ao almaço entoados a cânone,
resquícios de uma aquarela desgastada.
E nesse atrito repetitivo findar em alfinetada
ao abstrato do mais pungente sentimento
retornando a lembrança o algoz de um advento.

Planícies inteiras se fizeram canteiros,
grama verde, cada relva um abieiro.
Eram margaridas, girassóis, madressilvas,
rosas, amor perfeito, violetas, orquídeas,
gamas, matiz da mais perfeita magnitude
com toques de pimenta sem transpor uma virtude.

Uma semente, um destoar, um cume.
Uma ternura, um abarcar, um vislumbre,
um acalmar-se, arraigar-se e de terra converter em mar,
daquele mar achar um porto e deste porto nunca mais zarpar,
denso, intrépido, voluptuoso, em ondas aquietar-se num macaréu
aplacada rumo as alturas do mais suave céu.

Em momento hodierno, experimentar um falta,
meneio a rumo incerto, relembrando uma ribalta,
um vestígio, um proscênio, sem sítio ou ponto referido,
uma ilha, um caminho trilhado maquinalmente sofrido
dentro, uma saudade imensa do dia tórrido
fora, o semblante incólume de um modo aguerrido.



quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Aldrava

O semeador, Van Gogh


Quão vão momento desperdicei
atropelando a vida lá fora...
E hoje quão me calei...
E hoje, é ela quem desforra.

Seus atos me vislumbram
seu vislumbrar me assombram
permeando sobre incógnita
manifesta-se suave selenita.

Desanuvia meu semblante em pluma
vem flutua, mais que a densa alma.
E do meu calar renasça uma apotegma
sopre para longe esta fleuma.

Diante do teu silêncio eu me curvo
banhaste minha face em lágrimas
de um verbo que outrora em desuso
fez presente muitos axiomas.

Pressuposto era a dádiva
infindável a esperança.
Tu consumiste a lembrança
e eu assertiva... Lacrei com aldrava.



terça-feira, 5 de junho de 2012

Pleito

Tempestade em alto mar, Cesar de Albuquerque


É preciso ungir toda e qualquer antefato causado pela atmosfera do obsoleto
como a saudade de um perfume de outrora
datadas de épocas distantes não mais que agora em todo seu pleito.

Os ruídos condizem ainda sob épica imagem...
Qual força descomunal para desatar fios, cordões já separados com o tempo?
A força que me empurra a se desprender de tal laço
é a mesma que me corrompe a alma arraigando- se mais as suas origens

abdicar da convicção futura, dos silêncios constantes nos faz imersos
e submersos constatamos um oceano aos tons de incertezas e desafios

deparando-me nas advertências dos meus Eus,
sacrificando quem fui, quem sou e quem venho a ser futuramente
fazendo-se fenecer o sopro da nuança já ambicionada.

Quão já se passaram?
Onde resgato a temperança?
Em que parte sazonal ficou resguardada um lírico azul?

Suplantar as mais ricas formas do Ser já não me cabe à veleidade
Eis que acabo por navegar em mares transbordados à sequidão
e dessas formas abstratas, estas metáforas incompreendidas vaga-se por caminho incógnito

Talvez pleiteie alhures meu futuro
talvez este cesse em ato único.


segunda-feira, 16 de abril de 2012

Alma

Capa do livro Canção da partida, Lasar Segall


Alma

Silencia-te! Brusca alma
teu discurso já não condiz
suas formas estão disformes
e a hora por um triz...

Recobre as vestes do calar-te
mesmo que já não te faça parte
ou te sôa como descarte...

Não vês? Seu soneto desorienta!
aparta essa voz, esse som
que me fez de ferramenta...

Silencia-te! Não quero te ouvir
tú que me destes esperanças
e todas delas um porvir...

Restitua-se das asas que me deste
sobre os campos da certeza, que implumada
nesse frio angar de névoas, arrefece
e ante o Sol desfaz-se. E é nada.

Guarda-te nessa malha que para mim teceste.
Amarra-me nessa corda e me impõe teu friso,
e nesse casulo em que me esqueceste
deixa o beijo em minha boca desfolhar em riso.


(Poema de Joel Pozzobom e Luciana D.)


(O (amor) e amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer

E o espelho de minha alma multiplica... Vinícius de Moraes)


quinta-feira, 8 de março de 2012

Fenecer

Alagamento em São Paulo, Fernando Antonio Naviskas




Em tempo a sonata já desfaz seus últimos acordes
De árida a terra se tornou alagada
Presumido os seixos ficaram recobertos sem alardes
Percorrer aqueles caminhos somente com jangada


Procurar pelos castanhos mesclados por verde
Somente borralhos e densos azuis
Dos olhos só avistavam o profundo celeste
Do corpo a inquietude adensando um suposto croqui


Na memória os mais pífios esboços não recolhidos
Investigar em canson seria tingir de agonias
Todos os remorsos, desesperos já distendidos
Deixa aquietar-se nas gavetas das alquimias


Vasculhar seria contrapor, destoar, discernir sentimentos.
Aquém de intraduzíveis cores dos infindáveis bueiros
Escoam as águas submersas da fala em fragmentos
Pedaços do papiro, depondo sintaxes, devolvendo abatimento.


Na substancia verteu, decantou-se.
E de terra que se precisava, escorreu.
O papiro convertido em gotas rasgou-se
E nos olhos cansados... Tanto mar. Feneceu...